terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Carta aos meus PEQUENOS

São quase quatro meses desde que nos vimos pela primeira vez. Lembro-me bem daquela tarde. Eu estava ansioso para saber o que nos aguardava. Ansioso para colocar a prova o que havíamos aprendido na formação. Por mais que negue, sempre quis mudar o mundo. Parece ridículo, eu sei! Mas era esse o meu desejo naquele dia.

Era por volta da uma e meia da tarde e vocês já estavam lá! Eram quase trinta. Pensei que iria me desesperar. Fiquei assustado! Entraram na sala e desde o primeiro momento vocês já mostraram a que vieram: desafiar-nos, nos testar! Todos falavam e gritavam ao mesmo tempo! “Meu Deus, o que é isso?”, pensei. Comecei a desconfiar daquilo que estava por vir. Saímos, Priscila, Carla e eu, arrasados naquele dia. Estávamos cansados e tensos.

Os dias iam se passando e minhas suspeitas iam se confirmando. Vocês transformariam minha vida num inferno e tornariam minha ida à Maria Odnilra um verdadeiro sacrifício. Não prestavam atenção em nada do que dizíamos, não faziam o que pedíamos, fugiam da sala e brigavam entre si. Vocês faziam com que me sentisse um fracasso. Tive vontade de desistir! Mas não podia fazer isso! Desistir seria mais difícil do que ir em frente. Sendo assim, continuamos a jornada. Repensamos nossa metodologia, nossa abordagem, nossa postura em sala de aula. Daí vieram as regras de convivência, o sinal de silêncio (alguma vez ele realmente já funcionou?), as advertências e as “punições”. Questionamos nossa comunicação e concluímos que havia ruídos e obstáculos. Decidimos então, partir de onde vocês estavam, daquilo que realmente entendiam: a fala e o fazer. Assim, surgiram as primeiras entrevistas, as primeiras gravações. Como fiquei orgulhoso! Vocês não sabem, mas foi a primeira vez que por vocês chorei de satisfação. Calma, não se animem, vocês não deixaram de nos dar trabalho. Muitos tiveram que “voltar pra casa mais cedo” e outros foram “convidados” a deixar a oficina definitivamente. Não pense que isso era fácil para nós. Não era! Angustiamo-nos ainda muitas vezes. A diferença é que agora já tínhamos idéia de que caminhos percorrer.

Nossa certeza de que vocês nasceram pra dar certo só aumentava. A convicção de que nenhum de nós (alunos e mediadores) seria o mesmo e, as respostas que vocês nos davam era o que nos motivava. Eu quase não acreditei ao ouvir os primeiros rádios teatro que saíram com tanta dificuldade. Lembram? Fui no ônibus rindo a toa com o gravador no ouvido. Ouvi uma, duas, três, quatro vezes... Alguém que me observava devia se perguntar quem é esse louco que não para de rir e ouvir o que sai desse aparelho. Era o som da vitória! Sem perceber ou fazer qualquer esforço, eu já os amava! Amava tanto que mal via a hora de reencontrá-los. Contava os dias para estar com vocês.

Hoje é o último encontro da formação de radialistas. Espero, contudo que não seja o último encontro de nossas vidas! Sentirei falta das risadas e dos abraços. De poder vê-los crescendo e amadurecendo. Vocês hoje são radialistas. Não porque eu ou qualquer outra pessoa esteja dizendo, mas porque vocês acreditaram e fizeram por onde. Tenho falado demais. Para encerrar dedico um trecho de uma música do cantor que, como nenhum outro me faz lembrá-los: Michael Jackson. O título em português é “Cure o Mundo” (Heal the World): “Salve o planeta / Faça dele um lugar melhor / Pra você e eu e toda a raça humana / Tem pessoas morrendo / Se você se importa o suficiente com os vivos / Faça do mundo um lugar melhor / Para você e para mim... / Parece que sempre o amor é suficiente pra nós crescermos / Então faça um mundo melhor / Faça um lugar melhor.”

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Mudou você, ou mudei eu?

Outro dia estava na sala dos professores de uma das escolas em que trabalho como educador. Para mim essas salas são sempre entediantes. Professores costumam ser entediantes. Não lhe olham, não lhe cumprimentam e o pior, nunca lhe oferecem o lanche. Deve estar na minha cara que eu não vou aceitar. Para eles devo ser apenas um intruso de mais um projeto social chato. Enquanto esperava não sei o que, vi um texto em cima da mesa. “Deve ser mais uma daquelas correntes bestas ou um texto medíocre de auto-ajuda”, pensei. Mas me chamou a atenção o fato do texto estar colado na capa do livro de ponto dos professores. Falta de educação ou não, comecei a lê-lo. À medida que ia lendo as palavras daquela professora, engolia meus preconceituosos pensamentos...
Eu já tentei de tudo com você: bons modos, maus modos, gritos, chantagens,
exigi, insisti, implorei, instei... Você continua não respondendo a minha
didática elaborada... Por você me tornei insegura (o). Analisei os conteúdos,
contestei a validade de alguns, aprofundei, condensei... Achei parcos os meus
recursos. Pedi ajuda. Comparei meus instrumentos de aprendizado. Discuti com
colegas. Fui ao supervisor, ao orientador...
Lembrei-me do Segura Essa Onda. De como cheguei em agosto antes do inicio das oficinas. Ansioso, não sabia exatamente o que me esperava. Sabia que teria surpresas, mas não tinha idéia da força dessas surpresas. As leituras de Freire e tantos outros textos, as discussões, as trocas de experiências, os planejamentos, coisas absolutamente necessárias e enriquecedoras. No entanto, nada disso pode se comparar ao que tenho, ou melhor, temos vivido e aprendido lá dentro, entre os muros da escola. Perdi a conta das vezes em que voltamos pra casa arrasados, nos sentindo as piores e mais incompetentes criaturas. Não conseguíamos nos comunicar com os alunos que estavam tão próximos de nós e distantes ao mesmo tempo. Éramos desafiados, provocados. “Muda o plano de aula, esse não esta dando certo”, dizíamos quase a beira de lágrimas. Outras vezes, no entanto, éramos surpreendidos e presenteados por um avanço que poderia parecer insignificante ou por um simples gesto de confiança que nos devolvia o fôlego e a esperança! Citando Freire em Pedagogia da Esperança: “A prática educativa implica ainda processos, técnicas, fins, expectativas, desejos, frustrações, a tensão permanente entre prática e teoria, entre liberdade e autoridade (grifo meu), cuja exacerbação, não importa de qual delas, não pode ser aceita numa perspectiva democrática, avessa tanto ao autoritarismo quanto a licenciosidade.”
É por isso e por muito mais que pergunto: “Aí, então, mudou você, ou mudei eu?”