domingo, 26 de setembro de 2010

Um mal que inferioriza e desumaniza...

Você já parou pra pensar o que o presidente do Irã, um jornalista e apresentador de reality show, um ganhador de reality show, uma publicitária e uma estudante de direito têm em comum? Vejamos:

“Nós não temos homossexuais no Irã.” (Mahmoud Ahmadinejad) “Homem hétero não pega AIDS.” (Marcelo Dourado) “Dourado (Marcelo Dourado) não é homofóbico não.” (Pedro Bial) “Não gosto desse cantor! Ele é muito viado!” (Publicitária) “Precisa ser tão 'garota' pra ser gay?” (Estudante de Direito)

Todas essas declarações, ainda que em medidas diferentes, são inegavelmente homofóbicas! É provável que você considere minha afirmação radical, exagerada e até infeliz. Eu entendo. Mas antes de tirar conclusões, é preciso entender que a homofobia faz uso de diferentes discursos e assume diferentes faces para se manifestar. Com isso, não poucas vezes parece invisível e até inexistente.

Buscar o entendimento do que é homofobia é o primeiro passo para que ela possa ser desmascarada. Gosto do que pensa o escritor ítalo-argentino Daniel Borrillo em seu livro Homofobia: História e crítica de um preconceito: “a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, inferior ou anormal... desumaniza o outro e torna inexoravelmente diferente”.

A homofobia pode ter diferentes níveis, mas ainda assim é homofobia. Nem todo homofóbico, por exemplo, têm a ignorância e a coragem suficientes para, em cadeia nacional, declarar que a AIDS é uma doença de gays. Negar a existência dessa condição sexual (“Nós não temos homossexuais no Irã”) é tão nocivo quanto julgar o outro inferior por apresentar um padrão comportamental diferente daquele que a sociedade impõe (“Precisa ser tão 'garota' pra ser viado?”). A homofobia está presente em muitos espaços aparentemente tolerantes, mas agindo de forma silenciosa e violenta vai desumanizando o outro. Não poucas vezes, o próprio indivíduo é sua própria vítima: gays e lésbicas negando e hostilizando sua condição sexual.

Historicamente praticada pelos regimes ditatoriais e pelas grandes religiões monoteístas / patriarcais, a homofobia radical continua viva e atuante. É só lembrar das constantes violências que gays, lésbicas e travestis enfrentam constantemente em ambientes públicos e, até mesmo, privados. Nem os muitos anos de luta contra a pandemia da AIDS, por exemplo, foram suficientes para banir de vez o mito da AIDS como peste gay. Sem falar nos países onde a homofobia é punida com a morte.

A homofobia “polite” (educada), também chamada de política do armário, é outra medida da homofobia que faz com que pensemos que os homossexuais gozam de alguma tolerância sexual, dando uma falsa sensação de segurança. No entanto, quando nego aos gays o direito a filiação ou ao matrimônio, por exemplo, estou dizendo: “Você não é tão humano quanto nós heterossexuais por isso não tem o mesmos direitos”. Dificilmente percebemos esse tipo de manifestação homofóbica, pois costuma ser silenciosa e vestida de “amizade” dos gays. Você consegue pensar em algum?

A homofobia experimentada e reproduzida pelo próprio gay é o resultado de toda uma construção histórico-social que renega ao que está nessa condição, o direito de enxergar e aceitar a si mesmo. Ansioso para ser aceito pela coletividade, silencia o próprio desejo. E se mutila! Como consequencia, os gays passam a ser autores de comportamentos homofóbicos muitas vezes tão cruéis quanto os não gays. A rejeição das travestis, dos homens efeminados e das mulheres masculinas são uma pequena amostra.

Alguns acreditam que sociedade começa a demonstrar os primeiros avanços para uma convivência mais tolerante e justa. No entanto, penso que este assunto está longe de ser esgotado e mais ainda de ser superado. A atual ideologia homofóbica, como qualquer ideologia preconceituosa, precisa ser questionada de forma direta, sincera e corajosa.

domingo, 19 de setembro de 2010

Campus do Pici / Unifor: uma reflexão sobre o nosso individualismo

Uma cena corriqueira, mas difícil de aceitar...

Você corre para a parada de ônibus que fica a quatro quarteirões de casa debaixo de um sol que parece fritar sua pele e a careca que há muito ensaia aparecer. Na parada, um tumulto de pessoas visivelmente sonolentas e entediadas. Descendo a ponte, lá vem o Campus do Pici/Unifor lotado de estudantes universitários e alguns trabalhadores. Todos se preparam para a batalha: conseguir um espaço dentro do ônibus para chegar ao destino. Dê graças a Deus se conseguir ir pelo menos pendurado. Nessas horas, não posso deixar de pensar na porta do céu segundo os cristãos: estreita e são poucos os que passam por ela.

Na primeira viagem na linha Pici/Unifor, eu imaginei que as coisas seriam mais tranquilas com relação a tantas outras linhas nas quais eu já me aventurei. Afinal, na sua maioria, os passageiros são estudantes universitários e tendem a ser mais educados. Hoje, com vergonha, admito: puro preconceito da minha parte. Estudantes, via de regra, têm se mostrado mal educados e egoístas. Perdoem-me as exceções. Cabe aqui uma reflexão...

É curioso como tratam suas bolsas como extensão de si mesmos. Assim, como qualquer ser humano, as bolsas têm direito a espaço exclusivo, mesmo que isso implique em prejudicar a passagem e o espaço reservado para “outros” passageiros – que nesse caso são apenas obstáculos. Isso seria resultado de uma geração individualista e materialista, onde minhas coisas e eu somos mais importantes que o outro? Que percepção temos de quem é o outro? Quem é esse outro com o qual, ao que parece, eu não me identifico?

Se não bastasse, muitos [estudantes] sofrem de um surto de cegueira seletiva temporária. Como bem descreveu meu colega @chicofernando: “A maioria deles põe o fone no ouvido e entram no seu mundinho sem perceber os colegas carregando pilhas de livros”. Essa cegueira direcionada à coletividade e a solidariedade é crônica e embaça a visão da nossa humanidade. Em diferentes medidas, é a mesma cegueira que mantém no analfabetismo cerca de 16 milhões de brasileiros, que ignora os quase 200 homossexuais assassinados em 2009 só no estado da Bahia e que permite,todos os anos, a exploração sexual de milhares de crianças.

Enquanto nosso individualismo não for admitido como um elemento inerente e absolutamente nocivo da nossa condição humana, nenhuma mudança poderá ser efetivada. Precisamos tomar consciência de que estamos ligados a uma imensa teia social (ou rede, para usar um termo muito revisitado ultimamente) e que por isso, meus gestos e e decisões tendem a afetar outras pessoas. Que tal repensarmos nossa postura e valores enquanto passageiros, estudantes, profissionais, cidadãos e sobretudo enquanto seres humanos?