terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Carta aos meus PEQUENOS

São quase quatro meses desde que nos vimos pela primeira vez. Lembro-me bem daquela tarde. Eu estava ansioso para saber o que nos aguardava. Ansioso para colocar a prova o que havíamos aprendido na formação. Por mais que negue, sempre quis mudar o mundo. Parece ridículo, eu sei! Mas era esse o meu desejo naquele dia.

Era por volta da uma e meia da tarde e vocês já estavam lá! Eram quase trinta. Pensei que iria me desesperar. Fiquei assustado! Entraram na sala e desde o primeiro momento vocês já mostraram a que vieram: desafiar-nos, nos testar! Todos falavam e gritavam ao mesmo tempo! “Meu Deus, o que é isso?”, pensei. Comecei a desconfiar daquilo que estava por vir. Saímos, Priscila, Carla e eu, arrasados naquele dia. Estávamos cansados e tensos.

Os dias iam se passando e minhas suspeitas iam se confirmando. Vocês transformariam minha vida num inferno e tornariam minha ida à Maria Odnilra um verdadeiro sacrifício. Não prestavam atenção em nada do que dizíamos, não faziam o que pedíamos, fugiam da sala e brigavam entre si. Vocês faziam com que me sentisse um fracasso. Tive vontade de desistir! Mas não podia fazer isso! Desistir seria mais difícil do que ir em frente. Sendo assim, continuamos a jornada. Repensamos nossa metodologia, nossa abordagem, nossa postura em sala de aula. Daí vieram as regras de convivência, o sinal de silêncio (alguma vez ele realmente já funcionou?), as advertências e as “punições”. Questionamos nossa comunicação e concluímos que havia ruídos e obstáculos. Decidimos então, partir de onde vocês estavam, daquilo que realmente entendiam: a fala e o fazer. Assim, surgiram as primeiras entrevistas, as primeiras gravações. Como fiquei orgulhoso! Vocês não sabem, mas foi a primeira vez que por vocês chorei de satisfação. Calma, não se animem, vocês não deixaram de nos dar trabalho. Muitos tiveram que “voltar pra casa mais cedo” e outros foram “convidados” a deixar a oficina definitivamente. Não pense que isso era fácil para nós. Não era! Angustiamo-nos ainda muitas vezes. A diferença é que agora já tínhamos idéia de que caminhos percorrer.

Nossa certeza de que vocês nasceram pra dar certo só aumentava. A convicção de que nenhum de nós (alunos e mediadores) seria o mesmo e, as respostas que vocês nos davam era o que nos motivava. Eu quase não acreditei ao ouvir os primeiros rádios teatro que saíram com tanta dificuldade. Lembram? Fui no ônibus rindo a toa com o gravador no ouvido. Ouvi uma, duas, três, quatro vezes... Alguém que me observava devia se perguntar quem é esse louco que não para de rir e ouvir o que sai desse aparelho. Era o som da vitória! Sem perceber ou fazer qualquer esforço, eu já os amava! Amava tanto que mal via a hora de reencontrá-los. Contava os dias para estar com vocês.

Hoje é o último encontro da formação de radialistas. Espero, contudo que não seja o último encontro de nossas vidas! Sentirei falta das risadas e dos abraços. De poder vê-los crescendo e amadurecendo. Vocês hoje são radialistas. Não porque eu ou qualquer outra pessoa esteja dizendo, mas porque vocês acreditaram e fizeram por onde. Tenho falado demais. Para encerrar dedico um trecho de uma música do cantor que, como nenhum outro me faz lembrá-los: Michael Jackson. O título em português é “Cure o Mundo” (Heal the World): “Salve o planeta / Faça dele um lugar melhor / Pra você e eu e toda a raça humana / Tem pessoas morrendo / Se você se importa o suficiente com os vivos / Faça do mundo um lugar melhor / Para você e para mim... / Parece que sempre o amor é suficiente pra nós crescermos / Então faça um mundo melhor / Faça um lugar melhor.”

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Mudou você, ou mudei eu?

Outro dia estava na sala dos professores de uma das escolas em que trabalho como educador. Para mim essas salas são sempre entediantes. Professores costumam ser entediantes. Não lhe olham, não lhe cumprimentam e o pior, nunca lhe oferecem o lanche. Deve estar na minha cara que eu não vou aceitar. Para eles devo ser apenas um intruso de mais um projeto social chato. Enquanto esperava não sei o que, vi um texto em cima da mesa. “Deve ser mais uma daquelas correntes bestas ou um texto medíocre de auto-ajuda”, pensei. Mas me chamou a atenção o fato do texto estar colado na capa do livro de ponto dos professores. Falta de educação ou não, comecei a lê-lo. À medida que ia lendo as palavras daquela professora, engolia meus preconceituosos pensamentos...
Eu já tentei de tudo com você: bons modos, maus modos, gritos, chantagens,
exigi, insisti, implorei, instei... Você continua não respondendo a minha
didática elaborada... Por você me tornei insegura (o). Analisei os conteúdos,
contestei a validade de alguns, aprofundei, condensei... Achei parcos os meus
recursos. Pedi ajuda. Comparei meus instrumentos de aprendizado. Discuti com
colegas. Fui ao supervisor, ao orientador...
Lembrei-me do Segura Essa Onda. De como cheguei em agosto antes do inicio das oficinas. Ansioso, não sabia exatamente o que me esperava. Sabia que teria surpresas, mas não tinha idéia da força dessas surpresas. As leituras de Freire e tantos outros textos, as discussões, as trocas de experiências, os planejamentos, coisas absolutamente necessárias e enriquecedoras. No entanto, nada disso pode se comparar ao que tenho, ou melhor, temos vivido e aprendido lá dentro, entre os muros da escola. Perdi a conta das vezes em que voltamos pra casa arrasados, nos sentindo as piores e mais incompetentes criaturas. Não conseguíamos nos comunicar com os alunos que estavam tão próximos de nós e distantes ao mesmo tempo. Éramos desafiados, provocados. “Muda o plano de aula, esse não esta dando certo”, dizíamos quase a beira de lágrimas. Outras vezes, no entanto, éramos surpreendidos e presenteados por um avanço que poderia parecer insignificante ou por um simples gesto de confiança que nos devolvia o fôlego e a esperança! Citando Freire em Pedagogia da Esperança: “A prática educativa implica ainda processos, técnicas, fins, expectativas, desejos, frustrações, a tensão permanente entre prática e teoria, entre liberdade e autoridade (grifo meu), cuja exacerbação, não importa de qual delas, não pode ser aceita numa perspectiva democrática, avessa tanto ao autoritarismo quanto a licenciosidade.”
É por isso e por muito mais que pergunto: “Aí, então, mudou você, ou mudei eu?”

domingo, 19 de julho de 2009

“Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se pôr...”


Era só mais um entediante final de tarde de domingo. Como não tínhamos muito que fazer, optamos por um daqueles programinhas clichês, tomar sorvete e dar uma volta na praia. Calçadão cheio. Meu Deus, pensei, eu não sou o único entediado e sem criatividade na cidade. Isso fez com que eu me sentisse pouco melhor. Alguém, não lembro exatamente quem, sugeriu que parássemos um pouco já que em alguns minutos poderíamos ver o pôr do sol. Era próximo a uma colônia de pescadores.


Ficamos hipnotizados. Não tentarei descrever o pôr do sol. Acho desnecessário. Talvez porque para mim esse é um fenômeno não só abstrato, mas também metafísico. Tantas coisas me vieram à cabeça naquela tarde. Reflexões que vão se desenrolando e se entrelaçando gradativamente.


Observo tons diferentes produzidos por um mesmo fenômeno! Amarelos, laranjas e vermelhos se apresentam como um balé de cores tão bem ensaiado, tendo como palco o mar e como arquibancada a praia. Como platéia, diferentes elementos da natureza reunidos para assistir a um mesmo espetáculo. O astro rei vai então delicadamente tocando e mergulhando na infinitude do mar.


Não consigo deixar de me impressionar com sua grandeza que me convida a admirá-lo. É como se dissesse: “Vem e me olha! Grande sou eu!” Sinto minhas preocupações e ansiedades se encolhendo dentro de mim como se estivessem envergonhadas. Essa grandeza me emudece, me leva a perceber o silêncio no seu espetáculo. Ele vai se recolhendo calado ao mesmo tempo em que a multidão de vozes se aquieta dentro de mim e posso então ouvir meu próprio silêncio.


Silêncio que há muito tempo não encontrava e que tão fácil costumo perder. Começa a brotar em mim um calor, uma centelha de celebração. Quero celebrar a vida! E como a vida depende dele para prosseguir, pois é dele que extrai suas forças!
Sentindo a brisa como que me sussurrando essas coisas, levantei-me cantarolando Epitáfio dos Titãs. Torcendo para que num futuro próximo eu não faça dela a minha Lamentação*.

* Lamentação: canto forte e prolongado, por vezes de caráter religioso e ritualístico, por meio do qual se deplora um infortúnio público ou pessoal. No catolicismo, conjunto de leituras durante os três últimos dias da Semana Santa, que pertencem ao ofício de Trevas e cujo texto é constituído dos versículos das Lamentações de Jeremias

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Uma História da Praça

Quem vai ao Passeio Público durante o dia tem a idéia de estar em outro lugar; um mundo paralelo que não o centro da cidade. Do lado de fora o ritmo é frenético. Um calderão fervente com lojas de artesanatos de cipós, lojas de equipamentos, casarões como a Associação Comercial do Ceará e o Sobrado José Lourenço, pontos de venda de confecções, bares, motéis, prostitutas e vendedoras ambulantes nas calçadas. Bem próximo dali está o Mercado Central, o Teatro José de Alencar e a Praça dos Leões. Lá dentro, porém o clima é de tranquilidade e nostalgia até. O lugar esconde segredos e histórias do passado e do presente.

Todo começo de noite era a mesma coisa. Por volta das 19h, Paulete, como foi “batizada” pelas mais velhas, começava seu ritual de preparação para ir ao trabalho. Depois de um cuidadoso e demorado banho, era a vez dos cremes (adoraria usar os da Victoria’s Secret, mas na época o que ganhava ainda não permitia tais extravagâncias). Arrumar o cabelo e a maquiagem era parte do ritual que mais lhe dava trabalho. Gostava disso quando ainda não era uma obrigação.

Por volta das 20h lá ia Paulete, ‘toda se quebrando’ em direção ao Passeio Público. O local na verdade se chama Praça dos Mártires. Projetada em 1820 por Silva Paulet, tenente coronel do Real Corpo de Bombeiros, autor do primeiro plano urbanístico para a então Província do Ceará. Ambígua, afamada por ser um dos principais pontos de prostituição da cidade e marco de importantes eventos históricos de Fortaleza. Em 1830 foi palco da execução de revolucionários da Confederação do Equador como Padre Mororó e Pessoa Anta. Daí seu nome. No no final do século XIX e início do XX a praça era frequentada pela elite da capital alencarina.

Quando chegava à praça, Paulete tratava logo de cumprimentar as prostitutas e outros travestis que trabalham no local. Nao eram necessariamente amigos, noentanto diante do perigo a que viviam expostos o corporativismo era indispensável. Em seguida, caminhava até o famoso
baobá de 39 metros plantado por Senador Pompeu em 1910. O baobá africano é um dos atrativos naturais da praça junto com outras diversas árvores centenárias. Alí permanecia alguns minutos em silêncio, como se estivesse fazendo uma prece. Na verdade, sempre admirou a força e a resistência da árvore. Ser travesti não era nada fácil ainda mais quando se é negro. Essa árvora tem a sua essência negra como a minha, é uma guerreira, dizia. Como pode, se perguntava, sobreviver por 100 anos? Quantos mudanças vira acontecer? Quantos histórias acompanhou? A quantos casais apaixonados serviu de abrigo? A quantos trabalhadores exaustos refrescou com suas sombras? Quantas crianças brincaram ao seu redor? Desejava ser tão forte e resistente quanto o Baobá, pois seu trabalho era duro e precisava de muita força e sorte. Assim como o Baobá, ouviria muitas histórias de amor e desamor, seria para alguns não mais que uma diversão ou alento logo esquecido.

A Praça também foi palco das
primeiras partidas de futebol do estado, disputadas por marinheiros de navios ancorados no porto da cidade, ingleses residentes em Fortaleza e cearenses da classe alta. Décadas depois, muita coisa nao mudou nesse sentido. Muitos dos clientes de Paulete e suas amigas eram homens da classe alta cearense, muitos turistas estrangeiros e até alguns jogaderes de futebol. Esses dois últimos eram os que pagavam melhor e não costumavam pechinchar.
Hoje, quando vem ao Brasil não perde a chance de ir à Praça acompanhada de seu marido alemão, e tem consigo algumas certezas: a de que teve sorte e a de que aquele lugar faz parte de sua hsitória assim como ela faz parte da história daquele lugar. E tem orgulho disso.

domingo, 7 de junho de 2009

Nossas histórias...

Experimentara recentemente a liberdade de deixar a casa dos pais para ir morar só. Estava orgulhosa de si, afinal tinha apenas 22 anos e já desfrutava da sua independência. Nada de regras castradoras, satisfação pra dar, horários pré-estabelecidos e namorados pra pegar no pé. Queria viver. E viver do seu jeito. Naqueles dias sua ansiedade era visível! E não era pra menos, pois sair de Fortaleza para passar o carnaval nas famosas e cultuadas ladeiras de Olinda com os amigos não era algo comum na sua vida. Ela era só euforia. A palavra de ordem era: divertir-se! Antes de embarcarem alguém em tom de brincadeira alertou: “Cuidado, as ladeiras de Olinda reservam muitas surpresas! Não vão se apaixonar por lá!” Polly riu...

Os festejos começaram já no aeroporto onde foram recebidos por uma animada banda de frevo. As ruas da cidade estavam coloridas e tomadas de pessoas de todos os lugares. Vestidas as fantasias, trataram logo de se misturar aquela multidão. A cada ladeira que descia e banda que tocava seu corpo fervia de prazer, euforia e sensualidade.


Era o terceiro dia de carnaval. O improvável aconteceu. Daniel poderia ter sido mais um dentre tantos foliões. Meses mais tarde, em alguns momentos Polly desejaria que tivesse sido assim, mas não foi. O desejo parecia calar a distância e tantos outros obstáculos que os separava, que os separa!

Essa história ainda esta sendo construída. Não é um conto de fadas escrito pelos irmãos Grimm ou mesmo um roteiro para uma deliciosa comédia romântica. É uma história real, com personagens e dramas reais. Uma história que fala da dificuldade e do esforço para ser feliz mesmo quando se ama.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Chanson - Alfred du Musset


Disse a meu peito, a meu pobre peito:

- Não te contentas com um só amante?

Pois tu não vês que êste mudar constante

Gasta em desejos o prazer do amor?



Êle respondeu: - Não! não me contento;

Não me contento com um só amante.

Pois tu não vês que êste mudar constante

Empresta aos gozos um melhor sabor?



Disse a meu peito, a meu pobre peito:

- Não te contentas desta dor errante?

Pois tu não vês que êste mudar constante

A cada passo só nos traz a dor?



Êle respondeu: - Não! não me contento,

Não me contento desta dor errante...

Pois tu não vês que êste mudar constante

Empresta às mágoas um melhor sabor?
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Cor do texto
Certa vez, quando conversava com uma amiga contei-lhe do meu desejo de ter em minha lápide essa poesia de Musset. Ela ficou chocada...
Tentei explicar-lhe que um amor não exclui outro assim como o desejo. No final, somos o resultado de tudo o que amamos, de tudo o que desejamos...

terça-feira, 14 de abril de 2009

ALGUÉM PODE OUVIR?!

Confesso que no colégio biologia nunca foi meu forte, portanto posso ser considerado um analfabeto funcional no que diz respeito a conhecida e amada (odiada por muitos também, claro!) Teoria da Evolução de Darwin. O fato é que se o processo de evolução não parou desconfio que logo (é questão de uns poucos milhares de anos), devido à seleção natural*, os seres humanos perderão um dos ouvidos e ganharão mais uma boca. Nesse caso talvez fosse apropriado chamar de Involução! Não conseguimos ouvir o outro. Estamos o tempo todo falando, falando, falando...

Pensemos! Quando foi a ultima vez que você conseguiu, em silêncio, parar por 15 minutos pra ouvir as dores e o sofrimento de alguém? Quando foi que percebeu que o outro estava sofrendo (isso não é nada fácil!) e disse: “Senta ai, meu camarada! Agora fala tudo o que esta te incomodando!”? Encontro dezenas de pessoas ávidas por alguém que as ouça, mas são raras as que querem ouvir! Talvez por isso o número de psicólogos vem aumentado tanto e por isso também as pessoas me pareçam mais infelizes. Afinal, porque as pessoas não ouvem? Tenho algumas suspeitas...

Corremos do problema alheio! Acreditamos que ouvi-los é assumi-los. No entanto, a maioria das pessoas ao falar não querem do ouvinte uma solução, apenas um ouvido. Não temos a obrigação de dar as respostas!

Vivemos em um mundo altamente competitivo e individualista. O meu sucesso, na maioria das vezes, depende do seu fracasso. Já temos problemas demais, não sobra espaço pro outro. O bem estar é pregado como um estado individual.

Vivemos na era da informação. São milhares e diversas e não sabemos o que fazer com a maioria delas. Logo, ouvir o outro é acumular mais informação e conseqüentemente problemas.
Diante disso, quem se dispõe a ouvir corre o risco de se sobrecarregar e não ser visto como alguém que também precisa ser ouvido. Ou a natureza cometeu um grande equívoco nos dando dois ouvidos e uma boca, ou estamos nos colocando contra a ordem natural das coisas!

*Só pra ajudar os desinformados como eu, segundo a Wikipédia (sei que não é muito acadêmico usar fontes como essa...), “seleção natural é quando características favoráveis que são hereditárias tornam-se mais comuns em gerações sucessivas de uma população de organismos que se reproduzem, e que características desfavoráveis que são hereditárias tornam-se menos comuns”, ou seja, a natureza se encarrega de dar cabo de algumas características não utilizadas pelos seres.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Dulce

Eu a conheci na faculdade num encontro de alunos. No começo estava calada, com um ar distante. Talvez estive tímida. Afinal, éramos só alguns desconhecidos. Depois, sutilmente, Dulce começou a existir entre nós. Apresentamos-nos e trocamos mais algumas palavras. Seu sorriso não saia dos lábios enquanto falava. Seu olhar tinha um quê de sonhadora. A pouca altura e simpatia lhe davam um aspecto doce. Doce, não frágil! A sua beleza era diferente. Não vinha de um corpo esculpido com horas de malhação pesada. Nem de tratamentos intermináveis em salão de beleza. Também não andava como um cabide de grifes famosas. Quando voltávamos pra casa – nos descobrimos vizinhos – Dulce não parava de falar. Falava do curso, dos colegas de faculdade, da dificuldade em se adaptar etc. Falou também do que esperava de um homem. Queria um amor, queria um amante! Queria um companheiro! Não queria um provedor. Também não queria um galã de cinema. Só queria alguém pra amar e ser amada! Alguém com quem pudesse viver alguns de seus sonhos de adolescente. Finalmente chegamos em frente ao prédio onde morava, cerca de 30 andares, mais parecia um castelo. O castelo de Dulce. Minutos depois eu descobriria que não era bem assim.


Filha do interior do Ceará, Dulce foi criada, pra ser “moça de boa família”. Sua mãe a ensinou lavar, passar, cozinhar bem, e ainda fazer bordado! Fiquei estupefato! Ainda existem moças de 19 anos que aprenderam a bordar pra arrumar um “bom partido”. Sai de casa poucas vezes e quase sempre acompanhada de uma velha empregada da família ou da mãe. Comecei a entender sua história. Não morava exatamente um castelo, mas numa masmorra sempre a espera de um príncipe, mas não os dos contos de fadas. Mãe e filha esperavam coisas tão diferentes de um relacionamento. Uma espera amor a outra o via como uma possível consequência do casamento, acreditando que estabilidade financeira e conforto são mais importantes. Voltei pra casa intrigado e pensativo. O que as pessoas realmente esperam dos relacionamentos? O que é importante que o outro tenha para que eu decida amá-lo? Até que ponto realidades sociais, econômicas e culturais determinam minhas escolhas amorosas?

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Os "estacionamentos" e seus "guardadores..."

Sair de casa em períodos de grandes eventos e festas definitivamente não é uma boa idéia. O transporte público além de superlotado é quente, desconfortável e inseguro. Quando optamos por sair de carro mais dificuldades: não só o trânsito é um caos como encontrar um lugar pra estacionar é sempre uma tarefa que exige paciência, determinação e muito bom humor. Se não bastasse tudo isso, ainda temos que suportar o abuso e a intimidação dos chamados flanelinhas. Eles são uma mal que se espalhou pelo país já faz algum tempo, contudo, em períodos como o do carnaval eles se multiplicam e se tornam ainda mais perigosos. Parecem estar a cada ano mais organizados, uma verdadeira máfia. Em determinados locais eles usam um colete que os identificam e distribuem uma espécie de passaporte, fabricado artesanalmente, com valores que podem variar de R$ 3,00 a R$ 5,00 exigindo pagamento adiantado!

Dias desses quando questionei um deles, pois não agüentava mais aquela situação – eu e minha mania de questionar as coisas! – o tom da resposta foi bastante ameaçador. Segundo ele, estávamos pagando-o para “olhar o carro”, mas se não quiséssemos ele não poderia se responsabilizar por nada que acontecesse com o veículo. E quando eu estava prestes a dizer-lhe algumas coisas os amigos “deixa disso” não deixaram!

Sai sentindo-me lesado! Lesado pelo flanelinha que estava nos extorquindo. Quem era a maior ameaça naquela hora se não ele mesmo?! Senti-me lesado e desprotegido pelo Estado que cobra uma carga tributaria pra lá de pesada a fim de nos garantir proteção e inibir esse tipo de prática e não faz. Decepcionado com a população que não se posiciona diante de abusos como esses. Inclusive meus próprios amigos! Mas o que fazer? Se recusar a pagar? E depois que vai ressarcir o prejuízo causado pela não “prestação de serviço” do flanelinha?

O que me restou foi tentar aproveitar o carnaval assumindo o prejuízo diário com os “estacionamentos” e seus “guardadores”. Quem sabe um dia nossos impostos e nossa policia começam a funcionar e com isso possamos sair de casa mais tranquilos...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A difícil tarefa de ser...

Desde muito cedo nos acostumamos com alguém nos dizendo o que devemos fazer, querer e SER! Quando criança eram comuns comentários como: “Ele é tão fofinho...”, “O irmão é tão magrinho, como pode né?” ou pior, “Tiago é o gordinho?” Na adolescência, os comentários foram se transformando (pra pior, claro): “Tiago é tão bonitinho, pena que é gordinho”, “Tá vendo meu amor, os magrinhos ficam bem com qualquer roupa. Devia pensar em emagrecer”, “Como você quer que ela goste de você se você não emagrece?”. Naquele momento todos diziam o quê ou quem eu deveria ser, aquilo que eles consideravam o melhor pra mim (ou seria pra eles?) ignorando quem eu realmente era (sou). Com exceção de uma vizinha, que era considerada puta e devassa pelas demais, ninguém nunca me disse o contrário. Ela foi a primeira (e a única na minha infância) a me fazer enxergar quem eu realmente era. Penso quantos já passaram ou tem passado por experiências parecidas seja pelo peso, pela cor, orientação sexual etc.


A família é, sem dúvida, o primeiro referencial de valores e comportamentos e a responsável pela educação doméstica básica, que vai desde valores éticos e morais a certas convenções sociais necessárias (comer de boca fechada e não limpar o nariz em público são apenas algumas delas). Mas essa mesma família muitas vezes nos cerceia a liberdade de escolha em favor de uma moral ou das aparências. Acreditando que somos de fato sua extensão, no convívio familiar muitas vezes a individualidade é assunto ignorado. Com requintes de crueldade, criam-se mecanismos “legitimados” de punição e controle. Incentiva-se a hipocrisia e a vida dúbia. ”Você pode ser gay, desde que não deixe isso explicito para os vizinhos e não traga pra casa seu parceiro ou parceira”. Ele é gay, mas é boa pessoa, dizem alguns”. “Tão bonita, pena que é gorda”. “Coitada, ela ainda está solteira!”, “Ele até que é um preto bonitinho.” E pra citar só alguns exemplos.


Repensar a relação com o próprio corpo e conseqüentemente o conceito de beleza é fundamental para que se possa descobrir quem se é realmente . Porque tenho que ser magro e/ou malhado? Porque reduzir meu corpo a uma máquina de músculos? Por que cabelo bom é o liso e o ruim é o crespo? Por que sempre o sex symbol do momento nunca é negro ou negra?

Em algum momento de nossa vida, quando tentarmos romper com tudo isso – os que tiverem coragem, claro – perceberemos o quanto é difícil assumir controle da própria vida e o quanto é difícil fazer as próprias escolhas e assumir as conseqüências, sejam elas positivas ou negativas. Por outro lado, só assim poderemos desfrutar o que é liberdade. A sociedade, de um modo geral, não está preparada para aqueles que decidiram assumir a difícil tarefa de ser eles mesmos! Não podemos esperar ate que ela esteja. Ser eu mesmo implica no enfrentamento de conflitos internos e externos. Exige disposição e coragem para entrar em contato com as próprias feridas e traumas. Ser eu mesmo é não se desviar do espelho, mas olhar-se e como resultado admiração e amor! Ser eu mesmo é, sobretudo ser livre!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Felicidade...

“Às vezes, quantas!... sinto um quer que seja, uma ligeira emoção, como um sorriso que vem despontando em minha alma. É talvez a felicidade, digo baixinho; e fico muda e estática para não perturbar dentro em mim esse débil raio que vai nascendo. Mas de repente some-se tudo, como se um abismo se abrisse: procuro minha alma nesse vácuo imenso, e não a sinto.”

Foi lendo este trecho de um dos romances de José de Alencar que me saltou à mente a parábola: que é a felicidade é como uma ilha paradisíaca admirada e desejada de longe por um marujo exausto de tantas viagens e quanto mais a deseja mais a vê afastar-se até que só reste a esperança de uma nova oportunidade.

À que se destinam todos os esforços e toda existência humana se não à busca da felicidade? A felicidade é o fim principal – e talvez único – de toda atividade humana. Por ela homens e mulheres trabalham arduamente dia e noite, pois esperam que o resultado de tamanho esforço lhes traga felicidade. É por ela também, que casais decidem partilhar suas vidas. Que religião não promete aos seus fiéis a felicidade como resultado de sua fidelidade? Todavia, irônica e tragicamente, o resultado tem sido contrário: nunca se trabalhou tanto e nunca se foi tão infeliz, nunca se viu tanta separação e as relações nunca foram tão efêmeras e superficiais. Muitos centros espíritas estão lotados bem como os templos católicos, protestantes, budistas e outros. Somos uma geração decepcionada com a religiosidade (com o cristianismo em especial?). Sabendo disso o mercado religioso descobriu seu principal produto: um discurso que promete a felicidade apesar de qualquer adversidade interna e externa, chegando muitas vezes ao que Nietzsche chamaria de alienante.

Em todo sonho e em todo desejo, em toda sociedade e em toda cultura, em toda crença e em toda ideologia existe algo de comum: o desejo de ser feliz!