São quase quatro meses desde que nos vimos pela primeira vez. Lembro-me bem daquela tarde. Eu estava ansioso para saber o que nos aguardava. Ansioso para colocar a prova o que havíamos aprendido na formação. Por mais que negue, sempre quis mudar o mundo. Parece ridículo, eu sei! Mas era esse o meu desejo naquele dia. Era por volta da uma e meia da tarde e vocês já estavam lá! Eram quase trinta. Pensei que iria me desesperar. Fiquei assustado! Entraram na sala e desde o primeiro momento vocês já mostraram a que vieram: desafiar-nos, nos testar! Todos falavam e gritavam ao mesmo tempo! “Meu Deus, o que é isso?”, pensei. Comecei a desconfiar daquilo que estava por vir. Saímos, Priscila, Carla e eu, arrasados naquele dia. Estávamos cansados e tensos.
Os dias iam se passando e minhas suspeitas iam se confirmando. Vocês transformariam minha vida num inferno e tornariam minha ida à Maria Odnilra um verdadeiro sacrifício. Não prestavam atenção em nada do que dizíamos, não faziam o que pedíamos, fugiam da sala e brigavam entre si. Vocês faziam com que me sentisse um fracasso. Tive vontade de desistir! Mas não podia fazer isso! Desistir seria mais difícil do que ir em frente. Sendo assim, continuamos a jornada. Repensamos nossa metodologia, nossa abordagem, nossa postura em sala de aula. Daí vieram as regras de convivência, o sinal de silêncio (alguma vez ele realmente já funcionou?), as advertências e as “punições”. Questionamos nossa comunicação e concluímos que havia ruídos e obstáculos. Decidimos então, partir de onde vocês estavam, daquilo que realmente entendiam: a fala e o fazer. Assim, surgiram as primeiras entrevistas, as primeiras gravações. Como fiquei orgulhoso! Vocês não sabem, mas foi a primeira vez que por vocês chorei de satisfação. Calma, não se animem, vocês não deixaram de nos dar trabalho. Muitos tiveram que “voltar pra casa mais cedo” e outros foram “convidados” a deixar a oficina definitivamente. Não pense que isso era fácil para nós. Não era! Angustiamo-nos ainda muitas vezes. A diferença é que agora já tínhamos idéia de que caminhos percorrer.
Nossa certeza de que vocês nasceram pra dar certo só aumentava. A convicção de que nenhum de nós (alunos e mediadores) seria o mesmo e, as respostas que vocês nos davam era o que nos motivava. Eu quase não acreditei ao ouvir os primeiros rádios teatro que saíram com tanta dificuldade. Lembram? Fui no ônibus rindo a toa com o gravador no ouvido. Ouvi uma, duas, três, quatro vezes... Alguém que me observava devia se perguntar quem é esse louco que não para de rir e ouvir o que sai desse aparelho. Era o som da vitória! Sem perceber ou fazer qualquer esforço, eu já os amava! Amava tanto que mal via a hora de reencontrá-los. Contava os dias para estar com vocês.
Hoje é o último encontro da formação de radialistas. Espero, contudo que não seja o último encontro de nossas vidas! Sentirei falta das risadas e dos abraços. De poder vê-los crescendo e amadurecendo. Vocês hoje são radialistas. Não porque eu ou qualquer outra pessoa esteja dizendo, mas porque vocês acreditaram e fizeram por onde. Tenho falado demais. Para encerrar dedico um trecho de uma música do cantor que, como nenhum outro me faz lembrá-los: Michael Jackson. O título em português é “Cure o Mundo” (Heal the World): “Salve o planeta / Faça dele um lugar melhor / Pra você e eu e toda a raça humana / Tem pessoas morrendo / Se você se importa o suficiente com os vivos / Faça do mundo um lugar melhor / Para você e para mim... / Parece que sempre o amor é suficiente pra nós crescermos / Então faça um mundo melhor / Faça um lugar melhor.”






Eu a conheci na faculdade num encontro de alunos. No começo estava calada, com um ar distante. Talvez estive tímida. Afinal, éramos só alguns desconhecidos. Depois, sutilmente, Dulce começou a existir entre nós. Apresentamos-nos e trocamos mais algumas palavras. Seu sorriso não saia dos lábios enquanto falava. Seu olhar tinha um quê de sonhadora. A pouca altura e simpatia lhe davam um aspecto doce. Doce, não frágil! A sua beleza era diferente. Não vinha de um corpo esculpido com horas de malhação pesada. Nem de tratamentos intermináveis em salão de beleza. Também não andava como um cabide de grifes famosas. Quando voltávamos pra casa – nos descobrimos vizinhos – Dulce não parava de falar. Falava do curso, dos colegas de faculdade, da dificuldade em se adaptar etc. Falou também do que esperava de um homem. Queria um amor, queria um amante! Queria um companheiro! Não queria um provedor. Também não queria um galã de cinema. Só queria alguém pra amar e ser amada! Alguém com quem pudesse viver alguns de seus sonhos de adolescente. Finalmente chegamos em frente ao prédio onde morava, cerca de 30 andares, mais parecia um castelo. O castelo de Dulce. Minutos depois eu descobriria que não era bem assim.

